03 fevereiro 2006

Força Nigéria

O homem a meu lado mantinha uma expressão séria e tensa. Practicamente não mexia os músculos da cara, raramente fechava as pálpebras, e jamais desviava os olhos da televisão.

Perguntei-lhe o resultado do jogo, e respondeu-me um a zero, maquinalmente e sem mexer os lábios como um ventríloquo. A minha próxima pergunta parecia lógica: "quem é que está a ganhar?", mas ele quase se ofendeu com a pergunta, limitando-se a cuspir "a Nigéria está a perder". Uma resposta destas quase me desmotivou por completo e considerei seriamente a hipótese de pedir ao Paulo que voltássemos para o escritório. Afinal, tinhamos decido fazer uma pausa para ver o jogo com os operários da fábrica de modo a, logo desde os primeiros dias, estabelecer uma relação de proximidade e igualdade com eles. Pensámos que o jogo de futebol poderia ser um momento em que estivessem mais descontraídos e que pudessem por momentos esquecer a nossa condição de "enviados da sede", gerando assim uma empatia inconsciente connosco. E nós com eles, porque afinal teremos de trabalhar juntos durante os próximos cinco meses, e não queremos ter de aturar um mau ambiente de trabalho. Só que vistas as coisas, os nossos planos não se entavam a concretizar da melhor forma.

O Paulo insistiu mais. Falou com o tipo sentado à direita dele sobre os jogadores internacionais nigerianos que conhece, mas o tipo pouca atenção prestou. Virou-se para a esquerda e tentou fazer analogias com o futebol mexicano, mas eles nem pestanejaram. Já faltavam apenas quinze minutos para o final do jogo, e o Paulo sugeriu-me que fossemos embora, e deixássemos aquilo do estreitar de relações para mais tarde. Por alguma estranha razão, e indo mesmo contra o meu sentimento de cansaço que me impelia a sair dali, recusei e propus que ficássemos mais um pouco.

Passados trinta segundos, o lateral direito nigeriano consegue penetrar na defesa senegalesa pelo seu flanco, e cruzar rente à baliza. O guarda-redes dá uma sapatada incompleta para fora da pequena área, colocando a bola à inteira e real disposição do ponta-de-lança verde, que não podia fazer mais do que enviá-la para o fundo das malhas.

O homem a meu lado saltou da cadeira e gritou com tantas forças teve, bateu palmas de alegria e deu pulos de contentamento explosivo. Os restantes à nossa volta levantaram-se também numa algazara fenomenal, abraçaram-se e transformaram as frágeis mesas de madeira em sonoros tambores. Trinta segundos depois, sentaram-se todos instantaneamente e voltaram de novo à pose sizuda e impenetrável. Ainda nós não tinhamos tido tempo de reagir, e já eles se fechavam de novo em copas. Nem os nossos "ganda golo, hã?" os faziam regressar à descontracção. O Paulo quis outra vez voltar, mas agora já faltava pouco e aguentaríamos até ao final.

Ainda falava com o meu colega quando me apercebo do homem a meu lado de novo de pé, desta vez numa estranha dança que apenas poderei chamar de galinha, e a fazer mais barulho do que uma capoeira cheia delas. Quando voltei a cabeça para a televisão foi apenas a tempo de ver o final da repetição: a bola entrara de novo na baliza senegalesa. A festa exigia agora o dobro da energia, uma vez que significava vitória e não apenas um mísero empate.

O jogo acabou passados poucos minutos, e o pessoal voltou ordenado em fila indiana para as linhas de produção, num silêncio de sussurro, mas já sem aquela expressão sizuda e tensa de antes. Agora iam relaxados: já não tinham na face a concentração de assistir a um jogo, levavam apenas a leveza de ir trabalhar. Ao virar da esquina ao fundo do corredor a fila e o silêncio perturbaram-se: era um dos operadores que nos gritava ao longe "força Nigéria". Era o sinal de empatia que tinhamos tentado criar. Gritámos o mesmo de volta!

3 Comments:

At 06 fevereiro, 2006 20:31, Anonymous Anónimo said...

"(...)e deixasse-mos aquilo do estritar de relações para mais tarde(...)"

não será antes ... e deixassemos aquilo do estreitar de relações...?

eu não sei, pelo feedback que tenho lá no meu trabalho, até diria que não sei falar ou escrever português... mas acho que é assim....

ele há que guardar energias para comomerar o futebol, cumprir com as obrigações matrimonias, sei l+a que mais. agora, travar conhecimento com os tipo deslavados da sede?
gabo-vos a motivação!!!

força mano!!!

 
At 06 fevereiro, 2006 20:32, Anonymous Anónimo said...

comomerar não. comemorar!

 
At 07 fevereiro, 2006 10:22, Blogger Eduardo da Fonseca Joaquim said...

Pois, o meu "estritar" é do mesmo tipo do teu "comomerar".

 

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