30 janeiro 2006

Adeus meu amor

Não o disse, mas podia tê-lo feito antes de embarcar nesta quase eterna expedição na Nigéria.

A primeira vez que me disseram ao telefone que a minha próxima missão seria na Nigéria, eu sabia apenas que era em Àfrica. Portanto, eu estava contente por ter finalmente a oportunidade de explorar um pouco do que tinha lido como sendo um continente extremamente envolvente e encantador. Comecei de imediato a imaginar aventuras bestiais, a traçar a personalidade das pessoas que iria conhecer, a visualizar as fotografias fantásticas que tiraria.

Quando desliguei o telefone e contei a novidade ao colega ao meu lado, a reacção dele foi um pouco negativa, avisando-me da possibilidade de ter de viver dentro da fábrica e de algum perigo nas ruas. "Sim, claro, também me tinham dito cobras e lagartos acerca do Paquistão, e acabei por adorar a experiência", pensei eu para manter elevada a minha motivação.

No dia seguinte, tentei procurar alguma informação sobre o país. Todos os sítios que eu conhecia não tinham nada sobre a Nigéria, e em termos de livros, encontrei apenas um guia editado em todo o mundo. Tentei convencer-me que tal se devia ao facto da Nigéria não estar na moda, e não porque fosse desinteressante ou perigosa. Encomendei o livro desde Londres, e parti para férias de Natal. Durante esse tempo, estive tão ocupado a descansar, que nem sequer pensei na Nigéria.

Quando voltei, encontrei um amigo do meu pai na rua, um apaixonado por política internacional. Assim que lhe falei da minha missão seguinte, a expressão dele tornou-se demasiado séria. Ele descreveu-me coisas horriveis sobre o país, mas eu continuava a achar que não poderia confiar em alguém nunca tinha lá estado.

Mas tarde, recebi o guia* que tinha encomendado de Londres. A introdução não poderia ser sobre um país, apenas sobre um pesadelo:

"um dos locais mais caóticos e perigosos do mundo"
"é sujo e é um pesadelo ambiental"
"nada funciona"
"as infraestruturas são totalmente inadequadas"
"tem [...] corrupção a todos os níveis da sociedade"
"existe um conflito religioso e étnico contínuo que já matou mais de 10'000"
"poderia ser facilmente considerado como uma guerra civil"
"os nigerianos matam-se uns aos outros em confrontos de rua e entre gangs"
"gerida por um governo que é altamente incapaz de controlar a maior população africana"
"é simplesmente um dos locais do mundo onde é mais difícil viajar"
"desde cafés cibernéticos abertos 24 horas por dia até mortos abandonados nas ruas"
"pessoas tão pobres que têm de comer ratos e larvas"
"ainda correm rumores sobre a práctica de sacrifícios humanos"
"é terrivel e horrendo"

O livro continua com a descrição dos reais perigos do país. Desde doenças como a malária até à quase certa fraude com cartões de crédito, desde água poluída até acidentes viários a cada minuto, desde insectos que podem desenvolver-se e viver dentro do corpo humano até "rapazes de zona" drogados e armados, o livro descrevia todo o tipo de perigos de viagem como possíveis na Nigéria.

A esta altura tive de começar a admitir que afinal a Nigeria não seria um sítio assim tão bom para uma missão. Ainda assim, não poderia ser tão mau. Mas só para ter a certeza, verifiquei com os verdadeiros profissionais, o departamento de segurança da empresa:

"crime de rua violento, assalto à mão armada, carteirismo e ataques a viaturas continuam a ser frequentes por todo o país"
"grupos étnicos involvem-se frequentemente em confrontos"
"viajantes em negócios sujeitam-se a um risco elevado de ataques com armas, assalatos à mão armada, ataques a viaturas, sequestros e chantagem violenta"
"alguns estrangeiros já foram mortos em ataques a viaturas"
"policias e elementos das forças de segurança são corruptos e não têm recursos para combater o crime"
"os medicamentos são difíceis de obter"

Acabo de chegar à Nigéria. Tento agora manter o equilíbrio entre lembrar-me dos avisos para tomar precauções e esquecer-me deles para não enlouquecer! A ver vamos como corre...

*Nigeria Bradt Travel Guide

6 Comments:

At 31 janeiro, 2006 00:11, Anonymous Anónimo said...

Caro Ed,

isso faz-me lembrar um pouco quando ia visitar a Cidade do México e li os guias Lonely Planets que traçavam cenários caóticos e perigosos da cidade... assaltos nos taxis... assaltos arma branca etc... no final tudo correu bem.

Vais ter histórias para contar aos netinhos (que talvez venham a ser café com leite? :)

Abraço e diverte-te,
Nuno Vasconcelos

 
At 31 janeiro, 2006 00:34, Blogger Helena Romão said...

Bem, espero que corra tudo bem. Boa estadia e beijinhos!

 
At 31 janeiro, 2006 09:05, Blogger Eduardo da Fonseca Joaquim said...

Muito obrigado pelos vossos votos. Isto vai ser do melhor!

 
At 31 janeiro, 2006 14:55, Anonymous Anónimo said...

Caro Ed,
e a tua opinião? ainda não tiveste tempo para formular uma?
Tem calma. Acho que o Nuno V tem razão. Se fosse completamente impossível viver na Nigéria, achas que a Nestlé teria uma fábrica nesse país? Se eles têm lucro, é porque conseguem ter trabalhadores, deslocar matérias primas e vender os produtos. Será que gastam milhões em segurança só para salvaguardar operações básicas?!
De facto existem muitos distúrbios, há 2 semanas ouvi qq coisa no noticiário e preocupei-me contigo. Espero que corra tudo bem, que conheças pessoas interessantes e tenhas experiências óptimas.
Já viste, é a 1ª vez que visito o teu blog e deixo um comentário tão longo...
Beijinhos com saudades Jennie

 
At 31 janeiro, 2006 20:26, Blogger Eduardo da Fonseca Joaquim said...

Sim, Jennie, tens razão, há sítios piores (de momento só me lembro do Iraque, mas tenho cinco meses para me lembrar de mais)! Passa mais vezes e deixa mais bombas pesadas, que um dia destes, quando a coisa já estiver formada, deixo então a minha opinião!

Mademoiselle D'Lages, os pastelinhos da "vernissage" atraem sempre muita gente. Todos bem-vindos, mesmo que esvaziem a cozinha!

 
At 26 abril, 2011 14:33, Blogger Ailson Calaça said...

Em vez de conhecer a Nigéria, venha para o Brasil, você vai amar a experiência!!

 

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